Aula de instrumento - por que você aprende/ensina?
Não raramente ouço prolongadas reclamações advindas de meus colegas sobre suas aulas de instrumento. Vários deles costumam reclamar classicamente sobre dois aspectos específicos de suas aulas: "meu professor é muito mal humorado" ou "hoje eu toquei feito lixo". Sempre que ouço essas queixas eu sinto um disfarçado alívio por não ter professores mal humorados, afinal, não existe alguém mais desajeitada para lidar com mau humor quanto eu - na primeira grosseria acho que eu levantaria e sairia andando sem olhar para trás, e essa seria a forma mais branda de eu lidar com casos de rabugisse, não fosse a hierarquia acadêmica e a educação anos 50 que recebi de meus pais, eu soltaria uma meia dúzia de impropérios. Quanto à segunda reclamação mais comum, "hoje eu toquei feito lixo", sei perfeitamente que em muitas das minhas aulas eu também não obtenho os resultados que gostaria, sim - quase sempre considero que toquei mal, porque quase nunca está realmente bom - mas, talvez, o fato de eu não me sentir mal como vários dos meus colegas advenha dos meus professores... eles são gentis, simples assim!
Um professor tem o papel crucial no que concerne à motivação e à alegria do aprendizado, e isso pode parecer piegas, mas é preciso alegria para aprender (tanto quanto é preciso frustração e descontentamento para superar obstáculos que nos impedem de crescer no aprendizado). Não afirmo isso por afirmar, não se trata da minha paixão pelo ensino e pelo aprendizado falando mais alto, a Neurociência já comprovou que há fortes elos entre prazer, memória e aprendizado, isto é: quando se é feliz, sua memória funciona melhor, e só há aprendizado se houver memória. Assim, fica fácil entender por que muita gente sai da escola básica dizendo duas coisas: "não aprendi nada nesses anos todos" e "eu detestava quase todas as aulas".
Posso dizer, como aluna, que não aprendo bem se não me sentir motivada, e grosserias e rebaixamentos apenas apagariam minha motivação. Não preciso de elogios, apenas de honestidade e otimismo - a boa vontade de um professor já é motivação suficiente para dar início aos estudos, muitas das vezes é maior motivação que minha própria vontade de aprender dados conhecimentos (quem nunca teve aquela aula incômoda, aquela optativa de faculdade que fazemos por obrigação, mas cujo professor é tão otimista e esforçado, que nos desperta a vontade real de aprender aquele conteúdo?). Muitos dos meus colegas habituaram-se às grosserias e aos pontapés, e, com isso, seguem cada vez mais motivados a superar os desafios diários do tecnicismo instrumental - porém, parece mais saudável não se cobrar excessivamente como eles (cheios de acusações contra si próprios), não tomar remédios para ansiedade antes de um teste mesmo ficando bastante tensa como qualquer um ficaria, não se sentir terrivelmente mal diante de um erro. Como aluna, tudo que sinto é alegria por estudar e uma frustração saudável quando não atinjo meus objetivos.
Como professores, que tipo de aluno queremos ter? Eu não tenho resposta para isso. Quando recebo um novo aluno, não o idealizo, e também não lhe rendo "pontos" de afetividade por suas capacidades inatas. Sempre recebo um aluno esperando que ele possa ter tanta alegria no aprendizado quanto eu tenho no ensino, me é indiferente se este aluno toca o tema "brilha-brilha estrelinha" com uma mão só ao piano, ou se realiza todas as 12 variações sobre esse tema originalmente escritas por Mozart... é indiferente, desde que o ensino tenha rendido frutos sem frustrações excessivas.
Convido todos os colegas, alunos ou professores de música, a sempre meditarem sobre o que o processo de ensino-aprendizagem significa para cada um de nós. Perguntem-se "Por que eu ensino Música?" e "Por que eu aprendo Música?"... eu me pergunto todos os dias, e minha resposta ainda é a mesma: "porque eu gosto tanto disso..."
Se você aprende Música com o único intuito de superar um desafio técnico, de ter sentidos humanos mais aguçados (audição potencializada, uma visão fantástica para leituras rápidas, motricidade incrível), apenas para sentir que seu poderoso cérebro humano se supera a cada dia... Lamento, acho que está com motivações pobres. E, professor(a), se você ensina Música apenas para que seus alunos tenham esses rendimentos citados, acreditamos (nós, da rf-musical) que também está com motivações pobres para seu trabalho.
Com isso, não quero sobremaneira afirmar que o único intuito do aprendizado seja a alegria. O intuito da Ciência, ao meu ver, é a própria ciência - obter novos conhecimentos, construir significações e/ou utilidades com esses novos conhecimentos. Mas como humanos, desperdiçaríamos nossos potenciais individuais se nos restringíssemos a isso, especialmente em um universo de conhecimento tão possível de se abstrair emoções como é a Música. Você pode dominar um conhecimento técnico rigoroso de determinada Arte, sem, contudo, nunca ter sido artista... Mas me parece tão mais justo quando a técnica é apenas um subsídio para facilitar os caminhos artista, e a verdadeira significação não está na motricidade ou nos sentidos potencializados, mas sim na alma.
Deixo aqui minha sincera indicação de leitura a todos que tenham se interessado pelo tema da Educação algum dia, são alguns dos trabalhos maravilhosos que pude ler através de indicações de professores queridos que passaram por minha vida universitária.
Alunos felizes - Georges Snyders
A escola pode ensinar as alegrias da música? - Georges Snyders
Conversas com quem gosta de ensinar - Rubem Alves
Estórias de quem gosta de ensinar - Rubem Alves
Entre a Ciência e a Sapiência, o dilema da educação - Rubem Alves
Variações sobre o prazer - Rubem Alves
(esse último livro está concorrendo a um dos meus favoritos nesse momento acadêmico que estou vivendo)
Um filme que gosto muito também é "Vermelho como o céu", direção de Cristiano Bortone.
Para finalizar com bom humor, deixo aqui o link de um vídeo que ilustra bem a questão exposta nesse texto, uma caricatura de uma aula de piano, da dupla Igudesman e Joo.
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