Teoria e Prática, dois lados da mesma moeda pedagógica


    Em 2014, já veterana na graduação de música da Universidade Estadual Paulista, dei-me conta de que uma parte importante de minha formação musical estava ficando para trás: a prática instrumental. Passei um tempo muito curto de reflexão a respeito do lugar da prática instrumental em minha vida musical, uma vez que tinha muitíssimas disciplinas teóricas enriquecendo meu cérebro ouvinte, e pouco ou nada de prática realmente evolutiva para as mãos de pianista. Pareceu-me óbvio que não poderia lecionar algum dia sem obter uma segurança primária de quem teve a oportunidade de conhecer parte da literatura significativa de seu instrumento. 
    Foi então que me ocorreu a fabulosa ideia de unir o útil ao agradável. Imaginei que me seria muito útil estudar na Escola Municipal de Música de São Paulo naquele momento da minha formação, pois as aulas de lá eram todas muito bem avaliadas. No entanto, olhei para meu piano e me questionei sobre qual seria o período histórico mais sombrio para mim e meu ínfimo conhecimento. Era o Barroco. Sem dúvidas que o período Barroco para os pianistas não parece nebuloso, na verdade é uma companhia eterna que anda de mãos dadas conosco, sem que nunca possamos nos desviar dessa parte da História da Música. Mas o quanto se aprende sobre a "música histórica" de fato? Isto é, o quanto o piano, um instrumento mais posterior na linha do tempo em relação ao Barroco, costuma adentrar no passado mais distante das teclas? 
    Interessei-me, então, pela vertente historicamente orientada, buscando o curso de Cravo. Tudo regido pela curiosidade musicológica e a vontade de compreender melhor os compositores do período Barroco. Assim, inscrição, prova e banca se passaram. Tive a grande felicidade de ter sido aluna do saudoso mestre Nicolau de Figueiredo, uma mente musical muito iluminada em nossos tempos, que brilhou até o fim. Segui até o final do curso como aluna do mestre Fernando Cordella, sucessor do Nicolau, e um exímio professor de brilhantismo e carisma igualmente grandiosos. 
    Em 2022, passado o tempo obscuro da pandemia de Sars-Cov-2, finalmente pude apresentar meu recital de formatura. O vídeo apresentado neste texto é apenas um pequeno recorte da passagem de som. 
    Curioso como tomo a consciência da real dimensão das coisas quase sempre apenas quando elas passam. Tenho comigo, hoje, maior empenho em compreender aspectos musicológicos dos diferentes períodos abordados, e penso que o passo de oito anos que dei na EMMSP foi extremamente assertivo, e ao mesmo tempo somente um pequeno e tímido salto para algo maior. A EMMSP abriu meus ouvidos, e abriu meu coração para a música, coisa que talvez não tivesse acontecido se eu tivesse permanecido apenas com as reminiscentes memórias do piano de minha infância e adolescência. Hoje sigo como aluna do mestre Helcio Müller, e tenho convicção de que 2023 me reserva muita música.
    O que chamo para receber atenção neste breve relato é este fato: licenciados e pedagogos da área musical não raramente abandonam a prática instrumental enquanto exercício técnico e performático, afastando-se progressivamente de uma experiência crítica de realização sonora. Não devemos, não podemos nos dar a esse deslize musical. Devemos aos nossos alunos o nosso constante aprimoramento mental e, também, físico, pois a prática instrumental pode ser exaustiva às vezes, mas é mais do que necessária para manter as mãos em ordem.
    Dediquei ao saudoso mestre Nicolau de Figueiredo meu Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado em 2016, ano de sua morte -  "O dedilhado antigo aplicado à música barroca para teclado: estudo de três obras"Nicolau disse-nos (seus alunos na época) que não importava para ele o caminho ou carreira musical que buscávamos, nem o tipo de emprego que teríamos no ramo da música, só importava a ele uma coisa: que buscássemos brilhantismo, aprimoramento, significado.
    Em memória dos bons mestres que tive até hoje, sigo buscando estas três coisas.





 

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